Episodes

  • Assalto à Biblioteca Nacional com a bandeira pirata de Luiz Pacheco
    Jun 23 2025

    Num mundo coagulado, num tempo viscoso, em que só se podia andar aos tropeções, isto quando outros marchavam, cercavam, se punham em cima para que ninguém deixasse de se sentir deglutido, embrutecido, sem conseguir fazer outra ideia da vida, e ao menor esforço logo se sentisse ofegante, e assim mesmo ainda houve um por outro que recusaram viver esse pesadelo da lentidão e da impotência, esse enfado dos órgãos, houve quem fosse capaz de ver as coisas através da sua fadiga, e escavar à unha o seu penhasco. Ainda lhe ouvimos o passo nervoso, aquele seu canto de seria roufenha, experimentada, abusiva. Aquela voz de miúdo, reinando com tudo e todos. Conhecemos muito bem o perfil, mesmo que não nos tenhamos chegado a cruzar pelas ruas com esse bicho escarolado, ficou-nos um rastro que não perdeu nada do seu calor. Quando o meio literário tal como ele o viu e mostrou, fechou-se ainda mais nos seus cálculos e apostas, e ao homem de letras já nem se pede que seja minimamente consequente, que pense alguma coisa, que procure dar testemunho do seu quinto dos infernos, arrecadando o seu quinhão. Tudo refocila na mesmice, e, no limite, como assinalava Le Clezio, “toleram-se no escritor, no artista certos desvios, apenas na condição de poderem ser recuperados, e de essa liberdade jactanciosa poder ser confundida no interior da totalidade literária: simples concessões à moda, ao espírito do público, que é preciso saberem fazerem-se sob pena de se ser ignorado”. “E o que vem a ser um escritor que não seja lido?”, interroga ele. A suprema habilidade de Pacheco foi ter sabido dizer tudo o que queria e como queria, num pacto incerimoniosos em que deixou que o tomassem por esse delinquente que serve só o consumo quotidiano do mal que o bem se autoriza. A verdade é que ao colaborar nesse número, foi ganhando margem, gozando o prato como um escritor excluído da ordem beneditina, e que se passou mal, e tantas vezes se viu condenado a encarnar esse mal que o bem social inventa e de que necessita para a sua autopurificação, à medida que os anos foram passando, quase todos os grandes vultos, os santarrões que se acotovelavam nos nossos altares, foram caindo e desfazendo-se em cacos, e ele, com aquela sua biografia desabusada, em tantos momentos particularmente amarga, passou a representar essas noções que aguentam de pé, acabando mesmo por se ver engolido pela ordem cultural que tanto fez por esbarrondar. O seu imenso romance desbocado ainda anima e arrepia, continua a dar lições sobre o atrevimento e essa força de quem não deixa nada por dizer, e mesmo se o fez a partir de um ângulo de absoluta subjectividade, hoje os seus juízos tendem a converter-se em denominador. Possui um nome que não deixa de ser repetido com uma frequência assombrosa em todo o lado, um nome que serve como uma praga. Mais do que um maldito, Pacheco ganhou entre nós o estatuto de uma maldição. E, no entanto, está longe de se ter convertido num desses grandes nomes, não se regenerou, por mais que algumas almas cândidas pretendam extrair à força uma moral, vendendo a banha da cobra subversora, como se a própria literatura não pudesse ser senão uma instituição redentora. Pelo contrário, para aqueles que se viram para ele buscando o raro alento que anima a insolência, sabem que a seriedade desta escrita se mede pela forma como incita o género de ataques que lixam a fulanada, a dos fornicoques justiceiros que temem ainda um regime de crónica cruel e rude, deixando a mula beletrista pela fúria rumorosa que cresce de um desabafo. Ora, o Pacheco não pedia desculpa nem de estar vivo e a escrever, e nunca quis dar ele a missa, mesmo se admitia que a sua “memória regressiva tanto dava para o torto (as sacanagens) como para o actos de cristandade laica”. E agora, num momento em que mais do ordenar, exaltar e autopsiar, o mais premente mesmo era trazê-lo por junto de volta ao nosso convívio regular, depois de lhe termos cosido pedaços das muitas partes, num volume que antes de mais o que quer é ter-se de pé sem apoio de espécie alguma, até para fazer de tijolo e estar apto a quebrar janelas, lá subimos à torre, fomos directamente ao buffet com o nosso prato deslavado, e se não deu para encher o bandulho, tentámos capturar a bandeira deixando, para a troca, umas enormes cuecas que levassem o vento por cima da Biblioteca nacional a fazer caretas de todo o tamanho. Fica aqui o registo da apresentação que teve lugar esta tarde, e segue assim como um episódio extra, com as participações de Marta Félix, João Pedro George e Diogo Ramada Curto, entre outros.

    Show More Show Less
    2 hrs and 24 mins
  • As cenas do crime. Uma conversa com Joana Manuel
    Jun 20 2025

    Dizem que se escuta um estranho silêncio uns momentos antes. Os desastres respiram fundo. A terra sabe-o. Fica tudo quieto, na expectativa. É assim antes dos terramotos e de outros abalos naturais. E há uma nota colhida à margem de uma obra poética dessas que estão sempre a assediar a beleza, buscando legitimar-se, mas que depois mal podem pagar as dívidas face a uma informação clara e incisiva, e que precisam de ir colher noutro lugar: “Quando morremos, a audição é o último sentido a desaparecer.” Talvez busquemos até ao fim, e no limite das nossas capacidades, essa qualidade que torna estranho um silêncio, e que serve como um aviso que nos toca a todos por igual. A inteligência é um subterfúgio. Na verdade, as necessidades mais profundas são animais. Rilke parece intuir isto numa das cartas para Lou: “Noutros tempos, cheguei, por vezes, a interrogar-me por que motivo os santos queriam tanto infligir a si próprios tormentos corporais; só agora compreendo que esse gosto do sofrimento até ao martírio era uma manifestação da urgência, da impaciência de não mais voltarem a ser interrompidos, nem incomodados, inclusivamente pelo que lhes poderia acontecer de pior. Tenho dias em que não aguento ver pessoas, com medo de que rebente nelas uma dor capaz de lhes arrancar gritos, tão forte é a minha angústia de que o corpo, como frequentemente acontece, abuse da alma, que nos animais encontra o seu repouso, mas a segurança só nos anjos a pode encontrar.” Estamos destreinados de tanta coisa que em tempos nos foi crucial. Fomos perdendo a prática, esse balanço constante que trazíamos e que servia já como um impulso fosse em que sentido fosse. Ser homem podia então implicar de raiz um certo empenho, uma relação contundente. E talvez, para nos habituarmos de novo à mudança, rompermos esses casulos onde nos fechámos, pudéssemos impor às nossas conversas um movimento, para trazer para dentro delas nem que fosse a inconstância do cenário. Ao fim de algumas horas, e abdicando de um roteiro claro, poderíamos dar por nós em zonas inesperadas, que acabariam por se intrometer na conversa. “Onde estão os antigos debates, o velho pó?”, questiona Etel Adnan. “Os Sufis costumavam viajar de Múrcia para o Cairo – nas alturas – usando como combustível o poder da sua vontade (se os pássaros conseguem fazê-lo, porque não eles?). O real deve ter significado as milhas que percorreram, e apenas isso. Por baixo deles, o chão a tremer.” Já seria uma forma de nos arrancarmos ao elemento da constância e previsibilidade que nos envolve e absorve, que se tornou a verdadeira textura da realidade quotidiana. A tarefa seria, assim, inverter esta tendência para ficarmos reféns de uma aventura diminuída, diluída, fragmentada, que apenas nos deixa “uma dor fugitiva, quase inacessível à consciência e que não deixa no espírito mais do que uma surda irritação dificilmente capaz de descobrir a sua origem” (Vaneigem). Também as nossas ideias levantariam outro pó se estivessem habituadas a mastigar distâncias no seu compasso. Uma inclinação para a épica nasce com esses relatos que atravessam fronteiras e trazem impressões daquilo que não se vê daqui. “Montanhas levantam-se em nós, tal como a linguagem, fazendo da analogia uma parte intrínseca do pensamento (portanto, do ser)”, adianta Adnan noutro dos seus subtis aforismos. Neste episódio, a nossa convidada, também há muitos anos a tentar fazer sentido da sucessão dos ciclos, e procurando afectar o mundo em vez de ceder ao registo de tantos que se limitam a lubrificar beatamente as partes que lhes cabem do aparelho com a sua contestação formal, veio falar de como têm vindo a estreitar-se os caminhos possíveis para um artista, para alguém que entrega o corpo a uma participação e tenta ferir o isolamento ao qual nos vamos entregando. Joana Manuel é actriz, assume-se queer, mesmo se não sente necessidade de levar à linha os regulamentos de quem entende que a construção de uma diferença passa sobretudo por corresponder a uma qualquer vontade de pureza ontológica. Foi uma conversa em volta de uma mesa, mas com a insegurança de um caminho que temos percorrido cada vez com maiores suspeitas, sem o respaldo de um horizonte ou de tabuletas, um modo de percorrer-se a si mesmo, ansiosamente, como quem busca uma saída.

    Show More Show Less
    4 hrs and 4 mins
  • "Sperma retentum venenum est". Uma conversa com António de Castro Caeiro
    Jun 13 2025
    Por mais que goste de exibir a sua perpétua avidez, a glutonice deste tempo sacia-se depressa, e o ciclo repete-se sem margem para desvios. É um tempo avesso a grandes proclamações, ainda que esteja ansioso por distracções, catástrofes que o venham beliscar, mantendo-se desperto com recurso a uma teatralização que abusa do som e da fúria, e fazendo do quotidiano um tédio constante com vista sobre o abismo. Esta esclerose gradual da existência estabelece um paradoxo fundamental entre, por um lado, os tremendos abalos que se verificam na perspectiva global, e, por outro, a monotonia e todo este espectáculo que alimenta uma espécie de pavor, reforçando a passividade na vida de cada um. Uma condição política de coacção baseia-se em encenações cada vez mais vigorosas, escândalos prefabricados, como vincava Raoul Vaneigem, esses "gestos privados de substância em proveito de uma ilusão cujo encanto perdido torna dia a dia mais odiosa. Gestos fúteis e mortiços à força de terem alimentado brilhantes compensações imaginárias, gestos empobrecidos à força de enriquecerem altas especulações nas quais entravam como criados para todo o serviço sob a categoria infame de 'trivial' e de 'banal', gestos hoje libertados e desfalecidos, prontos a perderem-se de novo sob o peso da sua fraqueza. Aqui estão eles, em cada um de vós, familiares, tristes, entregues recentemente à realidade imediata e movediça, que é o seu meio 'espontâneo'. E aqui estão vocês, perdidos e comprometidos num novo prosaísmo, numa perspectiva na qual coincidem o próximo e o longínquo." Mal mergulhamos na substância dos discursos pretensamente esperançosos, bem intencionados, reconhecemos todo esse vazio de quem se serve das palavras apenas para se anestesiar. Se em tempos Vaneigem pressentia que não era tanto a morte aquilo que aterrorizava os homens do século XX, mas antes a ausência de verdadeira vida, hoje nada parece aterrorizar mais os homens do que a perspectiva de uma vida realmente tumultuosa, implicada, combativa. Pagamos o preço por toda esta covardia acumulada que exprime a realidade quotidiana. Eis como Herberto Helder punha as coisas: "A época é literal e conformista. Divertir-se é quase obrigatório. Há juízes, julgamentos, justiças, jus­tificações — há episódios por todos os lados para a gente rir, e depois a gente vai para casa e se porventura conservou limpas as suas fontes entrega-se jubilosamente a confundir a vigência: a gente desfaz e refaz as coisas, a gente diz: inven­ção, imaginação, inovação — e sem dar por isso encontra-se em estado excelso de irrespon­sabilidade social, sente-se responsável consigo apenas." E como aquele escritor belga central ao movimento situacionista vincou, "não se substitui impunemente o cio da salvação eterna por pequenas masturbações privadas". Não sendo uma época vitalista, mas antes uma que se define por sucessivos recuos amedrontados, houve poetas que vislumbraram uma única saída para este estado de coisas. Leia-se uns versos do poema "Vinte e quatro horas", de Raul de Carvalho: "Eu vos digo que é tarde, demasiado tarde/ Para principiar/ A exercer justiça:/ O número dos mortos já excede/ O tamanho da terra (...) Eu vos digo que já não temos tempo/ Senão para a vingança." Mas até para se vingar o homem precisa de alguma imaginação, de algum requinte, alguma perfídia. Em vez de grandes conspirações, restam essas pequenas células, uma sabotagem constante planeada por cada um, quase a ponto de ser essa a sua confissão particular. Como assinalava Vaneigem, ainda que os grandes movimentos de transformação social e política devessem ser pensados como respostas solidárias, fazendo valer a força dos números, "no momento revolucionário cada homem é convidado a fazer a sua própria História". Talvez isso possa ser aquilo de que se ocupam os poetas, ou, pelo menos, os grandes. "Estou no centro de mim próprio", confessava o génio egoísta que era Herberto... "não me interessa este mundo da justiça de fora, o mundo dos juízes e julgamentos, não me inte­ressam as justificações do mundo: estou só. Leva-se até ao extremo o divórcio libertador, é impon­derável quase o trabalho de atingir o extremo pessoal. Em poucas épocas foi tão simples estar contra tudo, os outros, a nossa facilidade que se mostra nos outros, a tentação dos outros." Vamos vaguear por noções destas, e, para nos acompanhar, neste episódio contámos com a generosidade de António de Castro Caeiro, que tem vivido de um balanço vastíssimo, de uma convivência com os espíritos mais antigos e dotados de uma juventude que o mundo não soube ainda como envelhecer e degradar, regressando a eles em busca de modos de reinventar o próprio "homem" nestes períodos de dissolução dos horizontes. Poderíamos ter beneficiado mais dessa prática de estudo e construção filosófica, não estivéssemos tão mordidos e ...
    Show More Show Less
    4 hrs and 31 mins
  • Alice no País das Finanças. Uma conversa com Ricardo Paes Mamede
    Jun 5 2025
    Não anda longe o momento da atomização absoluta, da conversão de cada um de nós em figuras que se diluem num espelho programado, numa miragem que nos absorve como Narcisos do curso de águas digitais. Há coisas que não se podem traduzir, nem espelhar entre mundos, sob o perigo obscuro de se produzir um reflexo subtilmente monstruoso e que pode bem contaminar ou assombrar o original. Mary Shelley disse algo nesta linha, mas de forma tão astutamente memorável que a frase se torna em si mesma um narcótico: "We are unfashioned creatures, but half made up, if one wiser, better, dearer than ourselves — such a friend ought to be — do not lend his aid to perfectionate our weak and faulty natures." (Somos criaturas imperfeitas, meio inventadas meio incompletas, perdemo-nos se alguém mais astuto, e que nos é mais querido até do que somos para nós próprios — como é suposto que um amigo seja — não estender os seus cuidados à nossa natureza fraca e imperfeita.) Precisamos de figuras por quem possamos nutrir uma admiração sincera e que nos levantem problemas. Hoje, e num momento de projecções contaminadas pelo poder, que apenas são capazes de se organizar segundo estratégias de valorização, de ambição e promoção pessoal, as relações tendem a ser construídas em função de um ganho imediato, mas o poder, como assinalavam os situacionistas, neutraliza a linguagem: "Sob o domínio do poder, a linguagem designa sempre algo que não é o vivido autêntico. É precisamente nisso que reside a possibilidade duma contestação completa. A confusão tornou-se de tal ordem, na organização da linguagem, que a comunicação imposta pelo poder se desvenda como uma impostura e um logro. Em vão um embrião de poder cibernético tentará pôr a linguagem na dependência das máquinas que controla, de maneira a que a informação se torne a única comunicação possível." O que os situacionistas não previram foi como a realidade seria inteiramente contaminada por essa forma de ficção dirigida e que digere por completo o horizonte de cada indivíduo. Em breve, será necessário pagar pacotes de extensão do vocabulário, conceitos mais finos, certas noções e termos serão abandonadas por serem tidas como nocivas, por poderem pôr em causa a eficácia programada. "O poder apenas fornece o falso bilhete de identidade das palavras, impõe-lhes uma licença de passagem, determina o seu lugar na produção (onde algumas visivelmente fazem horas extraordinárias); atribui-lhes, por assim dizer, uma folha de salário. Devemos reconhecer a seriedade do Humpty-Dumpty de Lewis Carroll, ao considerar, quanto a isso de uma pessoa decidir sobre o emprego das palavras, que toda a questão reside em 'saber quem será o dono' delas; nisso e em mais nada. E ele, patrão de vistas largas, afirma que paga a dobrar àquelas que emprega muito. Devemos pois entender assim o fenómeno da insubmissão das palavras, a sua fuga, a sua resistência aberta, que se manifesta em toda a escrita moderna (de Baudelaire aos dadaístas e a Joyce) como sintoma da crise revolucionária global que se regista na sociedade." Hoje são cada vez mais raros aqueles que fazem um uso da linguagem segundo este ânimo insubmisso, ou até minimamente insolente. Combater a relação de dominação deveria implicar um desvio contra a eficácia e os quadros de previsão com o qual operam os algoritmos, e isto em proveito da linguagem, numa oposição ao informacionismo moderno, aos modelos de simplificação, que reforçam as lógicas de "comunicação" unilateral. Como vincam os situacionistas, "o poder vive de receptação". "Não cria nada, só recupera. Se ele criasse o sentido das palavras, não haveria poesia, haveria apenas 'informação' pragmática. Nunca poderíamos opor-nos adentro da linguagem e toda a recusa seria exterior a esta, seria puramente letrista. Ora o que é a poesia senão o momento revolucionário da linguagem, e como tal não separável dos momentos revolucionários da História, bem como da história da vida pessoal?" Por isso vimos repetindo que não há mais clamorosa declaração da ineficácia de uma obra poética do que o momento em que esta aceita ser colhida pelos louvores oficiais, ver-se garantida pelo enredo institucional. Mas a poesia dos nossos dias não faz mais do que coleccionar os troféus que a reputam como inane - boa para consumo da população em geral. O mesmo princípio distingue uma verdadeira conversa. Como nos diz o poeta José Emilio Pacheco, "a conversa morre quando dizemos sim a tudo. Falar significa discordar. Não há troca sem controvérsia. O sermão e o dogma são estranhos ao ensaio. Não peço a um ensaio que confirme as minhas crenças ou preconceitos. Espero que ele abra outra porta, me faça ver o que nunca vi, ponha à prova tudo o que até então eu supunha". Hoje, a linguagem deixou-se absorver enquanto signo de confirmação, triunfam os discursos que fornecem falsos...
    Show More Show Less
    2 hrs and 57 mins
  • O futebol e outras civilizações ficcionais. Outra conversa com Carlos Maria Bobone
    May 30 2025
    Teria sido bom se em vez de cigarros e outros vícios ocasionais, tivéssemos aprendido um instrumento, desses que puxam por nós, tornam mais fértil a solidão, e nos levam por lugares perdidos à boleia do som, frequentando uma gente que prescindiu de se fazer interessante, de se explicar, coleccionar temas e opiniões, mas que prefere outro ângulo do mundo, outras frequências, promete o sangue a uma circulação mais vasta, prescindir do teatro de quem está aí para nos dizer uma e outra vez quem é, antes tornar-se um nativo do fundo, das regiões que acatam todo o balanço, gostam de ranger com o mundo. A música bem pode ser uma forma de jogo que persiste até mais tarde na vida. Quem forma bandas ou acede a essa promiscuidade tão fluída das formações que despontam de forma ocasional, acidental, são os miúdos que se defendem da realidade através dessas formas de recreio sonoro. Devemos pensar na teoria dos círculos mágicos de que fala Huizinga, esses que se desenham numa situação de jogo, o qual não apenas gera uma zona nova, sujeita a outras leis ou regras particulares, mas também se extrai do contexto geral, e admite possibilidades mais profundas de recreação, activando modos de atenção particularmente fortes que, para alguns, são negativamente associados a formas de distracção frívolas, superficiais e improdutivas. Ao longo da história, como lembra Patrícia Gouveia, no catálogo da exposição Playmode, brincar e jogar foram habitualmente considerados opostos à disciplina, ao trabalho, à seriedade. Mas, em Homo Ludens, Huizinga vincou como “o conceito de jogo pertence a uma ordem mais elevada do que a seriedade dado que esta procura excluir a ideia de jogo, enquanto que o jogo pode perfeitamente integrar a ideia de seriedade”. Esta seriedade do jogo nada tem que ver com uma questão de produtividade, eficiência, ou qualquer dessas medidas do enredo capitalista. Huizinga preferia evocar a forma de envolvimento do jogador em formas de acção sublime e sagrada com a mais alta seriedade, arrebatamento e absorção. É esse modo de sublimar e de construir um enredo alternativo que integra uma série de propriedades mágicas e autonomiza os círculos do jogo. “Perfeito é não quebrar a imaginária linha”, escreveu Sophia. Assim, o jogo é um ensaio rebelde, um impulso de transformação decisiva, que pensa por propor um outro modo, mudar, escapar, dar margem para uma ficção que chega a ser para nós bem mais decisiva, bem mais absorvente e cativante. Como assinalava alguém, no jogo há qualquer coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e que confere sentido à acção. Em certo sentido podemos encarar o futebol como um jogo que foi levado ao extremo e se impôs como uma espécie de civilização ficcional, com a sua mitologia própria, os seus heróis, e a sua carga de epicidade estupenda, que serve um recreio àqueles que viram o caminho para a infância e as liturgias do jogo serem-lhes proibidas. Em O Jogo da Glória, Carlos Maria Bobone nota como o desporto tem para nós “esta função escandalosa de oferecer uma escapatória ao destino e mostrar que, pelo menos, podemos criar qualquer coisa que nos diverte a partir de todo o mal que fazemos”… Mas e porquê? “Porque a vida em geral precisa de alívio, precisa que nos libertemos das suas finalidades, é que um desporto como o futebol pode ser tão apelativo. Não há nada necessário em chutar uma bola, nada funcional em marcar um golo. Um desporto destes liberta de uma obrigação mais geral de viver a vida e do peso dessa obrigação.” Neste episódio vamos andar à volta destas possibilidades de recreação e de ficção, nos modos mais ou menos subtis de insubordinação, e para isso, contámos com o apoio do Benjamin-velhinho, este reaccionário erudito, que se tem desdobrado entre ensaios de algum fôlego sobre aspectos mais ou menos centrais da cultura, sempre de forma esclarecida e saborosa. Também tem mantido uma empenhada acção crítica, e é alguém que traz um relógio de pulso que se ouve pela sala como um metrónomo. Ora, se queremos saber que horas são, qual é a nossa circunstância presente, devemos reconhecer que qualquer época deve, necessariamente, ser aferida através de uma relação crítica. “É unicamente através dela que a humanidade se pode tornar consciente do ponto a que chegou”, diz-nos Oscar Wilde. “É a Crítica, como sublinha Arnold, que cria a atmosfera intelectual de uma época. É a Crítica, como espero vir a sublinhá-lo eu um dia, que faz do espírito um instrumento preciso. Nós, com o nosso sistema educativo, derreámos a memória com uma carga de factos desconexos, e tentámos transmitir esforçadamente os conhecimentos que esforçadamente adquirimos. Ensinamos as pessoas a lembrar-se, nunca as ensinamos a crescer. Nunca nos ocorreu tentar desenvolver no espírito uma qualidade de apreensão e discernimento mais ...
    Show More Show Less
    3 hrs and 33 mins
  • O real como transcendência. Uma conversa com Luís Bernardo
    May 23 2025

    Está difícil imaginar como vamos fazer os desertos engasgarem-se de novo com as marés. Parecemos estar reduzidos a uma política em migalhas, política apenas concebida como mecanismo de substituição do real por ficções, mesmo porque, como assinalava Enrique Lihn, "nada é suficientemente real para um fantasma", e são apenas fantasmas aquilo que produz este mundo sucessivamente diluído que nos é posto diante dos olhos pelos ecrãs, de tal modo que não falta muito até que mesmo a palavra "homem" passe a ser ouvida com suspeita, ferindo as narinas delicadas de quem prefere esse onirismo maquínico. Não houve mais notícia dos tais grupúsculos enraivecidos que faziam do seu desespero um elemento de combate. No abalo insípido das visões propagadas no reino digital, hoje, são cada vez mais aqueles tomados de uma esperança bolorenta, aqueles que se oferecem para desposar a noiva fascista, num romantismo vivido até às fezes. Com esta virulência mundializada da questão nacional, e o recrudescimento dos orgulhos de facção, quem não tem deus vê-se a vaguear por territórios tomados pelo fervor que inspiram os mais imbecis líderes de culto, com o seu messianismo descocado que baptiza os ressentidos em novos convertidos às religiões de salvação. Entretanto, as pontes para outro lugar, para ilhas de realidade foram cortadas. Resta-nos viver como náufragos entre este bando de zelotas. Os poucos ecos que nos alcançam, como murmúrios de outro mundo, animam por instantes esses êxtases fugitivos da História. São algumas vozes presas em idiomas que em breve serão proibidos e que ainda nos trazem alguma frescura: "Após o colapso da nossa civilização, ou ela perecerá completamente, como as civilizações antigas, ou adaptar-se-á a um mundo descentralizado", escreve Simone Weil. "A nossa época destruiu a hierarquia interna; como é que pode permitir que a hierarquia social, que não passa de uma imagem grotesca dela, sobreviva? Não podíamos ter nascido numa época melhor do que esta, em que tudo se perdeu." Antes que o homem deixe de ter qualquer significado, podemos antecipar como muito em breve mesmo o nosso sono estará sob vigilância, e, para efeitos de cura e de terapia há-de haver prescrições de sonhos guiados pelas máquinas. Em lugar de descidas ao inferno, seremos revistados no própio inconsciente, isto se não formos simplesmente dizimados. Só quando dormimos é que ainda somos minimamente livres. De resto, como já alguns notaram, a comunicação tornou-se atmosférica. O excesso de estímulos impede que assimilemos sequer as informações que nos são vitais, e às tantas nem sabemos distinguir umas das outras, de tanto estarmos envoltos nesta segunda realidade. De repente, mesmo as nossas memórias gaguejam, sabemos isto e aquilo sem nos lembrarmos de onde veio essa noção, relato ou imagem. As fontes confundem-se, evaporam-se. Somos acossados, e não há filtro suficientemente potente para escaparmos a todo este fogo cruzado. "A demência é sistémica", diz-nos Bifo Berardi, "não patológica: tem vindo a alastrar-se desde que a aceleração do estímulo neural começou a produzir efeitos de pânico e depressão. E tem gradualmente tornado impossível o pensamento sequencial, crítico, racional, ou apenas razoável. Por esta razão, a demência deve ser o principal objecto da nossa atenção teórica, analítica e política, mesmo que eu não pense que exista uma possibilidade de a remediar. O ritmo da infosfera não pode ser abrandado de forma alguma, porque o cérebro humano está agora dependente dele e não pode tolerar uma redução da intensidade do neuro-estímulo. De qualquer modo, já é demasiado tarde: a demência já produziu o seu mundo." Todo este contexto absorve-nos e reproduz em nós os mesmos impulsos nervosos, entre a irritação e as contracções de alguém dominado por essa síndrome de Tourette epocal, ou, noutras alturas, desfeito, num estado de catatonia. Neste episódio juntou-se a nós Luís Bernardo, um tipo que arrasta num saco de batatas a História, aos tombos todo o caminho, cuspindo injúrias em múltiplas línguas, alguém que atira com ela para cima de qualquer mesa onde esteja aberto um mapa como um tabuleiro de jogo para os generais de estúdio de televisão fazerem aquela fita de grandes senhores, um tipo que tem um candeeiro aceso na última janela e estuda pela noite fora as intimidades da guerra.

    Show More Show Less
    4 hrs and 1 min
  • Em nome dos bárbaros. Com o Changuito no centésimo episódio
    May 16 2025
    Já andamos nisto há cem episódios, a tentar desenhar essa periferia monstruosa em torno de uma cultura que se excede de tão recomendável, debitando exemplos, listas de autores e obras, “ideias flutuantes”, enaltecendo-se na sua acumulação esgotante, com esse enredo esfalfado em que as mesmas personagens inofensivas aperfeiçoam os gestos de mármore, com os seus conhecimentos fragmentados, desprovidos de um eixo, de um sentido de unidade e de um desejo de acção. Vemos por aí tudo tão mal digerido, sendo tão raros aqueles que trabalham a qualidade da sua culpa, quando um embate já vai exigindo outra pele, uma outra resolução das mentes, que por estes dias parecem cada vez mais baratas, mais submissas. Incapazes de urdir esses ventos que levam o fruto e a casca, estende-se uma terra cada vez mais longe de qualquer nexo profundo, onde se deixam embalar por contos infantis. Talvez só se possa produzir alguma perturbação cercando a cidadela, reunindo as forças de tudo o que esta procura expulsar para fora dos seus muros. Nem tudo pode desapontar, e se os insectos intemporais que mergulham o seu ferrão na carne destes dias nos dizem que o mundo está a dissipar-se a uma velocidade atroz, resta estudar os elementos antigos das grandes tradições. “Outros escrevam biografias/ passo a passo e dia a dia/ como se exumando o passado/ renascessem os biografados/ seguidos de extensa bibliografia// Estas, não: são vidas recuperadas/ por golpes fundos e agudos/ sem intenção de mostrar tudo,/ só querendo, no fim das facetas,/ revelar vidas lapidadas/ pela visão de um poeta”, eis o que anota Domingos Pellegrini a propósito do volume a que Leminski deu o singelo título “Vida”, a partir de quatro biografias (Trotski, Bashô, Cruz e Sousa e Jesus) que lhe fornecem os caracteres de uma radicalização em que é possível investigar como a vida poderia ou deveria ser, caso ultimasse esse sentido de “uma política da arte como experiência”. Jean Baudrillard ajuda-nos a compreender o que possa ser uma estratégia capaz de separar todas as letras do vazio, de virarmos a nosso favor o elemento de desagregação num tempo em que tudo conspira para nos separar. “Cansadas da dialéctica do sentido, as coisas encontraram um meio para lhe escapar: o de proliferarem até ao infinito, o de se potencializarem, o de se sobreporem à sua essência, numa escalada até aos extremos, numa obscenidade que lhes servirá, doravante, de finalidade imanente, e de razão insensata. Nada nos impede de pensarmos que é possível obter os mesmos efeitos numa ordem inversa – outra insensatez, também ela vitoriosa. A insensatez é vitoriosa em todos os sentidos – este é o próprio sentido do Mal. O universo não é dialéctico – está condenado aos extremos, não ao equilíbrio. Condenado ao antagonismo radical, não à reconciliação nem à síntese. Este é também o princípio do Mal, e exprime-se no génio maléfico do objecto, exprime-se na forma extática do objecto puro, na sua estratégia de vitória sobre o sujeito. Obteremos formas subtis de radicalização das qualidades secretas, e combateremos a obscenidade com as suas próprias armas. Ao mais verdadeiro do que o verdadeiro, oporemos o mais falso do que o falso. Não oporemos o belo e o feio, procuraremos o mais feio do que o feio: o monstruoso. (…) Nesta escalada até aos extremos, será talvez necessário opô-los radicalmente, mas será igualmente necessário juntar os efeitos da obscenidade e os efeitos da sedução. Procuraremos algo de mais rápido do que a comunicação: o desafio, o duelo.” Para este episódio fomos ao último reduto, ali onde a cultura se vê forçada a fazer o caminho todo do princípio do mundo até ao fim, sem pressas, tornando claro como o real exige paciência. Parece haver uma inversão, no sentido em que, hoje, começamos sempre pelo fim, e o mais difícil é recuperar as raízes. Mas nesse antro tão pouco recomendável, o habitual regime do beatério cultural aparece-nos cercado por todos os lados, e aquilo que o ameaça é que provoca em nós calafrios, abrindo-se num enredo de possibilidades clamorosas. Como assinala Louisa Yousfi, “a barbárie é uma vitalidade primitiva que permite a escrita verdadeira, o gesto puro, a poesia”. Pedimos ao minotauro que nos abrisse a porta do seu labirinto. A Poesia Incompleta persiste nesta cidade de muralhas derruídas como um castelo e uma latrina, um laboratório para os exercícios de expansão e contracção das virtualidades que a poesia enuncia e aprofunda, dessa lei da relatividade mais generosa, aplicada aos sujeitos. Talvez seja a última das moradas com a porta irrestritamente aberta para a rua onde se dá em directo essa operação de volte-face em que o culto leva a melhor e ainda troça e injuria as formas do espectáculo, e isto com um Ahab ao leme, o maior tirano e um dos raros insurrectos, encarnados ambos numa mesma figura trágica, ...
    Show More Show Less
    4 hrs and 22 mins
  • Uma sinfonia de chumbo nos 100 anos do Pacheco. Em conversa com João Pedro George
    May 7 2025
    Para se ser um homem deste tempo ou até de outros, e variar, cumular, não basta estar vivo, como estamos todos, mais ou menos, tantos sem grande proveito, para si mesmos ou para a época, não basta isso, ainda é preciso ter ouvido, escutar a música que faz cada um, que fazemos todos, os que sabem arrancar notas ao seu instrumento, seja este qual for, ouvir como tudo isso depois se eleva, que sinfonia ou caos se gera... Se não se consegue uma harmonia de jeito, mas anda tudo aos encontrões, a produzir ruído, e se, muitas vezes, desencorajados, caímos no silêncio, acabamos sufocados debaixo do que cospe a telefonia. Ser de algum tempo é ser capaz de escutar e, ainda melhor que acompanhar, é achar a sua diferença, esse a mais capaz de impor uma inflexão, até valores próprios, chegar a conduzir num movimento ou noutro, disputar a batuta, ou desmoralizar o maestro, criar a sua escola, mesmo que pela calada, clandestina, sem horários, sem burocracia, só de impulso, paixão. Regatear com a época, dar-lhe o golpe, isso, sim, é tomar posição, extrair um sentido da geral, e compor mais que uma rima, uma solução, ou devotar-se à querela, aos embates, não conter na raiva, não se deixar abafar, mas explicar a liberdade por extenso, nos gestos, em actos. Inventar o seu carácter, produzi-lo na relação com os demais, como uma resposta, tendo em atenção aquilo que falta, tudo quanto nos sonegam, anulam. E aqui faça-se notar que a maior violência de todas pode ser o silêncio, apagar os outros, fingir que não se viu, distribuir a morte antes de tempo, vir aí fazer a sua justiça que passa apenas por cultivar relações, chegar aos lugares, e decretar o vazio, ainda lhe pôr em cima uma gente decorativa para irritar mais. Substitui-se com isto a vida por um desenho animado desses que passam só nos lares da terceira tentando empurrar de vez os velhos, neste país que se quer um imenso lar-fossa onde atirar quem nunca viveu. Esses que, por isso, muitas vezes mesmo que quisessem ir-se, acabar com isto, não sabem para que lado fica a morte. O combate está dificultado, hoje, mesmo por aqueles que lêem. O afastamento paga-se, a falta de um convívio sincero, truculento, animador já por si deixa as almas aí a criarem musgo, em vez de lhes arrancar as teias de aranha, as intrigas alimentadas em estado de paranóia, reforça-se a tibieza do carácter, a infantilidade nas convições. Ora, se a história da Cultura nos ensina alguma coisa "é a resolução das antinomias numa luta sem tréguas, é o combate implacável entre credos opostos", vinca Luiz Pacheco. Estão mal as coisas para quem veio para a literatura em busca de sinais dessa refrega. Estão pessimamente aqueles que, como ele, escolheram a literatura como um modo mais empenhado de superar o estilo gago da existência, e pôr algum sentido na trama dos dias. "Porque a minha vida, o meu trabalho (chamem-lhe ou não assim, pouco me importa) é escrever. Ler, para escrever. Ver, para escrever. E o que não sair em letras, está-me escrito na pele. Vida dura? acho que se percebe, tenho a pele curtida e colada aos ossos, mordida, alegrias, dores, frios e miséria." Estamos sobre o centenário daquele que mais intensa e empenhadamente zurziu no enredo que veio falsificar esta relação entre a vida e a literatura, todos esses modos de aliciamento e convite ao imobilismo, as estratégias de inibição e que trocam uma condição dinâmica e aberta a "um espontâneo movimento de polémica, de antagonismos inconciliáveis em riste", por um quadro de acomodação amorfa. Vimos assinalar aqui esta data, a intervenção e a coragem daquele que, como reconheceu muitas vezes, foi um tipo bera, um sacana, tendo sido capaz do pior, mas alguém que fez o que fez por se querer um tipo livre, "livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português". Assim, em vez de cerimónias o que temos é um grande bolo onde afundar a tromba de uns quantos, e quisemos tomar de novo o pulso a um meio literário cujas imposturas ele não se cansou de expor e atacar. De resto, prova da condição moribunda deste são os silêncios falaciosos que permitiram que no ano passado viesse a lume uma obra inteiramente inédita e ninguém lhe pegasse, mesmo se os seus livros continuam a ser traficados a alto preço nos alfarrabistas, e se lhe vai sendo rendido um culto que não anda longe daquela forma de exploração sistemática póstuma do maldito, como pôde antecipar, falando no "aproveitamento do seu caso humano (deturpando-o) ou da obra por ele legada (amputando-a mesmo assim; colhendo nela apenas o que convém aos tempos que correm) manipulada por seres mesquinhos e gulosos que a serem contemporâneos do maldito, seriam (eram, está-se mesmo a ver, a perceber) os seus mais ferozes inimigos". Para discutir o seu exemplo e os textos que nos legou, chamámos o tipo (João Pedro George) que mais atenção lhe deu, que mais contribuiu para que ...
    Show More Show Less
    4 hrs and 28 mins